Jangadeiros: uma história construída pelo amor de seus sócios

Da esquerda para direita: (atrás) Fernando Albuquerque, Sílvio Perez, Américo Haimel, Ralph Johnstone, Wagner Pereira, Paulo Renato Paradeda, Luiz Pejnovic, Luiz Landgraf, Waldemar Bier, Mario Teixeira e Bonífacio Rangel. (À frente) Kurt Keller,
Michael Weinschenck, Paulo Sérgio Paradeda, Luiz Carlos Lund, Arno Keller e Roberto Trindade.

Dezembro de 1941, quase 75 anos distante no tempo, é a data que deu início ao que hoje é o Jangadeiros. Embora idealizado por Leopoldo Geyer, o clube não é resultado de uma individualidade. Toda sua trajetória é marcada pela união daqueles que acreditaram em um projeto que nasceu como uma ideia ousada.

Sete décadas e meia depois, histórias não faltam para ilustrar o que a união e o amor de seus associados foi capaz de promover. Seja na força de manter uma tradição viva com passar dos anos ou no empenho de chegar mais longe pelo esporte, o Jangadeiros se tornou o local em que até uma improvável construção nasceu em meio ao Guaíba.

Uma churrasqueira dá início a uma tradição de mais de meio século

Pontualmente às 19h, começa mais um encontro do “Churrasco dos Piranhas”. Na pauta um pouco de futebol, uma pitada de política e muitas lembranças. Recordações de um tempo em que o clube não era nem sombra do que é hoje.

Pouco mais de meio século atrás, o Jangadeiros ainda não contava com uma churrasqueira para preparar as suculentas carnes assadas pelos competentes Silvio Perez e Mário Teixeira. Tudo mudou quando houve a troca na comodoria, conforme recorda Kurt Keller, um dos sócios mais antigos e também um apaixonado pelas histórias que viu surgir na beira do Guaíba.

“O Geraldo Linck foi convidado pelo Edgar Siegmann, por Edmundo Soares, por Cláudio Aydos e por mim para ser o comodoro da gestão de 60 a 62. Ele topou, mas com uma condição: que eu fosse seu vice-comodoro. Logo falei que precisávamos de um tesoureiro, um cara que mexesse com dinheiro. Foi então que convidamos o Eduardo Aaron, que veio do Iate Clube Guaíba”, lembra Keller.

Assim como Link, Aaron aceitou o convite prontamente, mas também com um porém: era preciso escolher uma data fixa e realizar um churrasco todas as semanas, sempre no mesmo dia e sem desculpas. Mas ainda faltava um elemento fundamental para fazer esse encontro acontecer: a churrasqueira.

Nada que um esforço conjunto não fosse capaz de dar conta. Cada sócio contribuiu um pouquinho para que, enfim, o tão sonhado churrasco pudesse acontecer. Pronto, estava criado o hoje tradicional “Churrasco dos Piranhas”, que já dura 56 anos sem falhar uma terça-feira sequer. Não há tempo ruim capaz de cancelar o encontro.

Mais uma prova da importância que o Jangadeiros ganha na vida de seus frequentadores. Além de um espaço de lazer e descontração, o evento se tornou um motivo para celebrar e fortificar amizades, algumas delas com duração de décadas.

A programação é sempre a mesma: toda segunda-feira pela manhã, Neni – como Keller é conhecido pelos demais sócios – manda um e-mail para os amigos, perguntando quem vai ao encontro. Dez, vinte, trinta confirmam e a quantidade de carne é comprada com todo o cuidado.

Uma ilha construída pedra a pedra

Entre uma interrupção e outra do sócio Luiz Pejnovic, que auxilia o assador servindo pedaços de salsichão, costela e vazio, Keller continua relembrando histórias do Jangadeiros, que também contam um pouco de sua vida.

“Sou sócio desde 7 de dezembro de 1941, data de fundação do Clube. Quando Leopoldo Geyer inaugurou o trapiche, ainda em janeiro de 1942, eu e meu irmão estávamos ao lado do muro, pouco mais de uma cabeça acima dele. Atrás de nós estava Cláudio Aydos. Meu irmão está com 82 anos, eu faço 80 na semana que vem e o Cláudio tem 87. Nós somos os três mais antigos do Jangadeiros”.

Quem chega ao Jangadeiros hoje em dia e vê aquela ilha imponente pode até não saber, mas ela nem sempre esteve por ali. Como tudo no Clube, foi construída com muito amor, conta Neni, com os olhos marejados e apontando para o seu próprio coração. É resultado de uma tarefa árdua e exaustiva.

“Era tudo, tudo no braço. Nós fizemos essa ilha trabalhando todas as terças-feiras. Seu Dorival levava uma chapa que nós conseguimos emprestada. Ela era encostada na pedreira e os trabalhadores carregavam com pedra. Na sexta-feira à noite, Dorival ia buscar e amarrava entre duas estacas. No sábado e domingo, íamos em grupo eu, Edmundo Soares e Geraldo Linck e descarregávamos uma a uma com a mão. As pedras afundavam e tu não via mais, porque elas caiam, rolavam e ficavam como uma pirâmide”, relembra em detalhes.

A construção continuaria nesse ritmo por décadas não fosse a chegada de um engenheiro, responsável por apresentar uma técnica inovadora e mais rápida. Por meio de um tecido, feito de material sintético, o protótipo estrangeiro conseguia conter o aterro sem a necessidade de colocação de brita. Tudo com alta durabilidade, sem apodrecer. Mais tarde, o teste seria implementado em diversas outras ilhas naturais.

Depois de 15 anos, a estrutura ficou pronta e o resultado não poderia ser melhor. Hoje denominada oficialmente Ilha dos Jangadeiros Geraldo Tollens Linck, homenageando um dos responsáveis pela sua construção, o complexo é um grande centro das atividades do clube. Com cerca de sete hectares de área, esse cartão postal possui instalações capazes de garantir o seu perfeito funcionamento e encantar a todos a cada fim de tarde.

Um canhão holandês em terras gaúchas

DSC_1214siteMas não apenas a ilha foi construída de pedra em pedra. Toda a história do Jangadeiros de encontros que se sucederam ano após ano, pouco a pouco. Um deles aconteceu em uma regata da Escola Naval e colocou integrantes do clube em contato com o então capitão de fragata Maximiano Eduardo da Silva Fonseca.

“Ele teria que passar à capitão de mar e guerra, a contra almirante, a vice-almirante, a almirante de esquadra e depois teria que ser escolhido pelo presidente como ministro. Esse cara conseguiu todas essas promoções, foi até à Escola Naval, tirou o canhão de dentro d’água e mandou para o Jangadeiros”, conta Neni na companhia do sócio Roberto Munhoz, que ajuda a relembrar os detalhes.

O canhão dado como presente é um modelo holandês, que costumava fazer parte da fachada da Escola Naval da Ilha de Villegagnon e ficava no acesso frontal para a entrada da Baía de Guanabara. Hoje apoiado em um carrinho de madeira, ele é parte do Jangadeiros e mais uma das histórias que ajudaram a construir a trajetória de 75 anos do clube.

Primeiro Mundial de Vela realizado no Hemisfério Sul

E por falar em histórias, não dá para pensar no Jangadeiros e não lembrar da relação do Clube com os esportes náuticos. Fernanda Oliveira, atleta revelada aqui e que neste ano disputa os Jogos Olímpicos 2016 na classe 470 da vela, é um dos exemplos mais icônicos, mas está longe de ser o único.

Afinal, a ligação com o universo esportivo não vem de hoje. Se difundir e expandir a prática do iatismo na capital gaúcha era um dos objetivos de Geyer desde o início, em 1959 o clube teve a honra de receber o Campeonato Mundial de Vela e chegar mais perto desse sonho.

“Eu disse para os organizadores da Classe Snipe que nós iríamos fazer o campeonato 20 barcos iguais ao meu, o que foi aprovado. Nós não só os construímos como toda a competição foi um sucesso completo. Isso tudo a gente fez por amor ao clube”, recorda Keller enquanto outros sócios se aproximam para oferecer um pedaço de carne recém saído da churrasqueira.

Aliás, amor ao clube é o sentimento que parece resumir os 75 anos do Jangadeiros e a relação com seus associados, desde os mais antigos até os recém chegados. É uma lição que passa de uma geração para a outra e ajuda a tornar o que era apenas sonho em um dos maiores clubes náuticos da capital gaúcha, além de uma referência no Brasil.