Confira o relato da última etapa do veleiro Uruguaiana 3 rumo a Refeno 2020

Comandante Henrique Freitas revela os detalhes da chegada da tripulação à Recife para participar de um dos principais eventos da vela no Brasil.

Confira o relato da última etapa do veleiro Uruguaiana 3 rumo a Refeno 2020

Os detalhes da última etapa da navegação do veleiro Uruguaiana 3 rumo à 32ª edição da Regata Internacional Recife-Fernando de Noronha, a tradicional Refeno, foram detalhados no novo relato compartilhado pelo Comandante Henrique Freitas.

Agora, o foco será na participação da Refeno, que tem largada prevista para o dia 10 de outubro, no Marco Zero, no Recife. A regata conta com mais de 300 milhas náuticas, o até o Mirante do Boldró, em Fernando de Noronha. Confira abaixo o Diário de Bordo do Comandante!

Etapa 3 – 27/7 [29] CNC a [16]20/8 | Cabanga: Niterói, Forno, Vitória, Abrolhos, Ilhéus, Camamu, Salvador, Maceió, Recife.

“O veleiro Delta 41, Uruguaiana U3, do Comandante Henrique Freitas, com a brava e paciente (risos) parceria de César Missiaggia e a alegria de Paulo Dariva na perna Vitória-Salvador, por fim chegou ao final da 3ª etapa e está ancorado em Recife. As etapas seguintes serão: a Refeno em si, em 10 a 12 outubro, e depois a volta para casa, a contar de 23 de outubro.”

“O apronto no Clube Naval Charitas, em Niterói/RJ, com apoio bárbaro de Henrique Velloso (do veleiro Gentileza) e do marinheiro Nilo, fantástico, deu-se em 27 e 28 julho, rancho, diesel, faxina, etc., e zarparam em 29/7 para Cabo Frio, praia de Forno. Na chegada, deveriam acessar uma enseada e seus baixios por uma “porteira” numa fortaleza de pedra, mas a feição do mar, do vento e das ondas levaram a tripulação a decidir circundar a região por fora, tendo uma vista esplendorosa de Cabo Frio!”

“Chegando de tardinha na praia do Forno, vazia, linda, uma casinha no canto, uma escadaria de acesso… Ali pernoitamos e ficamos o dia seguinte (30 de julho). Sempre estudando a ‘méteo’, inclemente, com ventos de 35 a 40 nós e com ondas de 4m. Ali, de longe, podia-se ouvir o mar “roncar”!”

“Nos dias 31/7 e 1/8 nos deslocamos a Vitória, antes disso, com muita luta para vencer o Cabo São Tomé. Parecia que o barco lutava com o vento e com o mar e suas ondas enormes, e sobretudo, não avançava. Foi muito cansativo e mesmo tenso. Avistamos uma rede ali, a metros de nós, desviamos a tempo numa manobra ousada.”

“Chegamos em Vitória de noitinha, onde, por sorte, o rádio no VHF 73 de surpresa mostrou um rádio operador atento, chamou-nos já pelo nome, instruiu, orientou para não entrar pelo canal dos navios, mas sim do ladinho: nunca visto antes tal atenção. A entrada, em certo momento, força a gente a dobrar 90 graus em direção a meio entre uma laje e um baixio, e então dobra aqui e ali, e acessa-se a famosa “Curva da Jurema”. Chegamos sem nada notar da região, meio perdidos, meio preocupados, muito escuro.”

“No dia seguinte, acordamos no paraíso! Um astral, uma vida plena! Remos, nadadores, água limpa, pedras lindas, uma vista maravilhosa! Bikes, caminhantes… Dali, surge num veleirinho monotipo, o anjo Edmar! A surpresa ao acordar no local, o astral, o Sheraton! A escola de vela! A poita de água! Tudo tinha. O Edmar se apresenta, já havia designado um aluno para nos ajudar com a água, outro com o diesel, outro com o supermercado. Parecia mesmo um índio de Uruguaiana, hospitaleiro, simples, de fala mansa e boa, generoso, e ainda trouxe pela mão um bote a motor e disse: “vou deixar aqui para vocês, caso precisem!”. Dali do barco se avistava também uma ponte por baixo, da qual passavam lanchas, saídas do clube, o qual, de veleiro, somente pelo outro lado, mas dependendo de maré, horário, etc.”

“Em Vitória, sobe a bordo o Paulo Dariva, vindo de Porto Alegre. Zarpamos para Abrolhos, longe e a 33 milhas náuticas da costa. A chegada é de tirar o sopro até da alma, é magia pura, delicado imaginar que tal exista. Baleias, golfinhos, e mais baleias. Uma natureza exuberante, maravilhosa! Contemplação, chegada bem calma, mas com vento e ondas sempre. No rádio, um veleiro já fundeado do outro lado evoca: “estamos aqui e desejamos amizades!”. (Risos) Ocorre que ele estava mais ao Norte do arquipélago, e a gente, para lá se dirigindo, viu aquele veleirinho caturrando, aparecia inteiro, até a quilha, for a d’água. Não! Ali não vamos fundear, e voltamos ao ponto indicado pelo Gentileza, ali perto da siripa, mas com a onda quebrada pela emenda com a Redonda. Belíssimo dia, azul, passamos bem, fizemos assadinho, contemplação pura, descanso. Dois contatos rádio, rádio farol e Parque Nacional. Esperamos a visita, em vão. Ao partir, uma baleia saltou inteira for a d’água, a 50m de nós!! Uhul! Ali então foi, entre ida e estada, 2, 3, 4 agosto.”

“No dia 5 de agosto, indo a Ilhéus, nosso anzol fisgou um peixão, enorme, pesado, o César ficou maluco! Peixa para lá, peixe para cá, e… uma baleia passa lentamente entre o barco e o peixe, o barco andando a 6, 7 nós. Estávamos a 8, 9 nós quando o César pediu “mata o barco!” O peixe acabou rompendo a linha…foram os percalços e novidades de pesca de corrico: tem que recolher uma vela, cortar eventualmente o motor de apoio, mudar o rumo, gerenciar as ondas altas e o vento que bate de algum lado, forte. Mas tudo isso era a primeira vez que fazíamos.”

“Em Ilhéus, descansamos. A chegada com calma e devagar, muitos pesqueiros, mas bem abrigados atrás de um porto. Realmente, foi uma boa ter parado ali. Assim, quebramos uma noite que seria no mar. Nos dias 6 e 7, então, indo a Camamu, onde ficamos nos dias 8 e 9, perto da pousada Chez Petit, da Patrícia e do Ricardo, que nos receberam muito bem, com camarões e tal. Enfim, ainda na ida a Camamu, o César finalmente teve uma apoteose na sua pesca: fisgou um dourado, lindo, amarelão, cheio de tons, foi bárbaro! Filmamos tudo! E preparamos maravilhas ao forno e mais algumas ‘cositas’. Também, tivemos que jogar baldes de água no convés, ficou todo melecado de peixe (risos). E o forno ganhou duas formas de peixe, cebolas, batatas, temperos, etc. Ficou muito bom.”

“Nos dias 10 e 11 de agosto, fomos a Porto Salvador Marina, onde encontramos o Dominique! Uma figura, gentil, atencioso. O centro, bem no Elevador Lacerda, bastante no prejuízo, com a cidade meio em pandemia e com muita coisa fechada. Nos dias 12 a 14, fomos a Maceió, longe, 2 dias e 2 noites no mar, delicado a gerenciar essa saída de Salvador, não se dava vencimento da corrente contra, das ondas, do mar, do vento, tivemos que dar um longo bordo negativo quase, para entrar mar adentro e daí sim poder os subir. Chegando em Maceió, dia 14, os pescadores te rodeiam, ficas sem bem entender, querem te oferecer carona para terra e peixes. Tem ali a associação de vela, que oferece banho quente e algum outro apoio. Veio perto do barco o “seu Dita”, isso já no dia seguinte, quando estávamos quase levantando âncora. Pediu se tinha ‘cafezinho’. Eu disse: “vou fazer um cafezinho para o senhor!” Ao provar, ele olhou muito para a minha canequinha de estimação, de alumínio, e fulminou: “gostiou mutio!” Na terceira vez que ele repetiu essa frase, não tivemos como resistir, e, embora já tivéssemos presenteado ele com outras coisas, ele ganhou de presente também a canequinha. Um ser do bem, fica bem guardada a caneca. Ao levantarmos âncora, o guincho deu uma falhada, o que por sorte contornamos.”

“Nos dias 15 e 16 de agosto, então, afinal a ida a Recife. Um pouco de saudades de casa, é verdade. Se a gente entrasse em Barra de São Miguel, dali não conseguiríamos avançar, todo povo festeiro lá se reunindo (risos)! Não poderíamos fazer nada a não ser aderir ao movimento! Chegamos, com mais uma noite no mar, atentos ao acesso, um 360 para não jibar, recolher a genoa, e entrar no canal de dentro, do porto, muitas surpresas agradáveis, tudo lindo, bem moderno misturado com o antigo, muita gente cedo passeando, recebemos muitos acenos, muitas selfies foram feitas conosco de fundo. Fundeamos para esperar a maré subir. Meio-dia veio um bote do Cabanga para nos acolher e fazer entrar com apoio. Tudo perfeito.”

“De 16 a 19, o Leo e a Sueli nos acolheram muito bem, o seu Almir do porto e todo seu time bárbaro. O restaurante com cozinha muito boa! As piscinas, não desfrutamos. Mas eram lindas. Infra total, apoio, marinheiro Max, top do top, e pessoal de serviço, Jaque na capotaria, seu João no motor, seu Claudemir na vedação e refixação do guincho de âncora, entre outros. Eusébio no SSB e VHF.”

“Nessa subida toda, foram preciosas as dicas recebidas do Gigante, da Bruna e do Jairo, do Henrique Velloso. A nossa G3 auto-cambante chegou ‘cambaleante’, na parte da saia, a vela de kevlar mostrou que sentiu a viagem. Sentimo-nos seguros em toda viagem, raramente alguma preocupação maior. Na tripula, merece um baita agradecimento o César, incansável no apoio. E os checklists, por ‘Diós’, são fundamentais para que tudo seja feito em segurança. E assim, vai-se aprendendo, a tirar o melhor do barco, a lidar com os pirajás, a vencer o mar, e também em que e como prestar atenção.”

“O uso da vela mestra de Delta 32 foi um fator de sucesso, pois andava-se a 6, 7, 8, 9 nós e mesmo 10 e 11. E sempre bem estabilizado o barco. As sessões ali por 20h, no telão, com o coach Eduardo Bojunga de Oliveira, sobre rotas e ‘passage-plan’ (onde vamos estar em que momento, andando a média tal e partindo a tal hora) e ‘méteo’ e suas evoluções, bem como o que havia se passado, e como se lidou com aquilo, permitiram ir consolidando o aprendizado. As condutas para enfrentar o Cabo São Tomé e depois para sair de Salvador, ainda custaram algumas horas extras de velejada, mas aprendemos a vencer. É fundamental preparar e planejar cada etapa, cada perna, monitorar a ‘méteo’, situações de mar de um lado e vento de outro trazem desconforto.”

“As lições são incontáveis. Usar as poitas, muitas em mau estado, emendar rapidamente cabos para dar conta de uma situação, subir e descer o bote em certas circunstâncias, estudar os ‘passage-plans’, estudar a ‘méteo’ constantemente, passar a perna no rádio, com um mau contato qualquer, costurar a mestra num cantinho que estava se descosturando [a nossa velha, de Delta 32]. Usar escotas da genoa, de bombordo e de boreste, mesmo se com a escota auto-cambante ‘a full’, ajuda a melhor trimar regular as velas. E não que numa certa hora, por alguma razão, a auto-cambante soltou um pino da manilha, mas ficou presa entre as outras 2 escotas que colocamos, por sorte! Testamos algo no nosso controle do bow thruster, tivemos ajuda do Junior Araken, via fone. E sempre ajuda do nosso coach, com quem discutíamos as ações. As poitas, uma novela cada uma delas, algumas em estado deplorável. Usar luvas, ter cuidado, pois é bem fácil se machucar. Saímos ilesos. E aprender também no respeito e no convívio com o outro, na tripula em si. Fundamental. Outro aspecto essencial é o AIS! Mas cuidado com os pesqueiros, a maioria não tem! Enfim, inúmeros aprendizados, preparar antes toda comida da próxima perna, deixar tudo temperadinho, certinho, fechadinho hermeticamente, previsto para toda tripula, etc. E estamos em Recife, prontos para a Refeno!”