Comandante Enio Luis do Espírito Santo, do veleiro Abequar, compartilha experiência de viver a bordo em navegada na costa brasileira
Associado do Jangadeiros destacou os principais pontos na sua trajetória de velejada e vivência no barco CAL 9.2 durante o período de isolamento.
“Ter essa experiência é viver, e o que a gente leva dessa vida é a vida que se leva. São as histórias que a gente tem para contar”. É com essa frase destacada pelo Comandante Enio Luis do Espírito Santo, do veleiro Abequar, que compartilhamos nesta semana a sua experiência vivendo a bordo do seu CAL 9.2 e, ao mesmo tempo, navegar pela costa brasileira durante o período de isolamento social.
Mas antes de entender como foi esta aventura é preciso saber como surgiu essa motivação. A ideia de viver a bordo em um veleiro, de acordo com Enio, veio durante sua adolescência, quando teve o primeiro contato com a vela. Naquela ocasião, o irmão mais velho do Comandante começou a velejar e o levou junto, o que fez gostar muito da prática e, mais além disto, foi o ponto essencial para fazer nascer a vontade de estar a bordo de um barco. E este sentimento ficou adormecido até 2004, conforme destaca. “Neste ano, minha irmã se casou e, como o marido dela é velejador, voltei então a velejar com ele e lembrei que tinha essa vontade, pois lá na adolescência eu tinha lido os vários livros sobre o tema e já tinha contato com estas aventuras. Voltei a velejar em 2004 e já com a vontade muito grande de passar a vida a bordo”, disse Enio, que começou em um Tchê e agora está com o CAL.
Com a chegada da pandemia e todas as dificuldades geradas por esta situação, sua empresa ofereceu uma licença não remunerada. Mas foi neste momento que se abriu a oportunidade de concretizar aquilo que havia iniciado após seu primeiro contato com a vela. Então, o Comandante soltou as amarras e saiu da marina do Clube dos Jangadeiros no dia 18 de abril de 2020. A primeira etapa da sua viagem foi descer a lagoa e depois subir para Florianópolis, velejada que contou com a companhia de dois amigos de seu trabalho. “Inicialmente, o objetivo era ir até Ubatuba, mas conforme o tempo de isolamento aumentava, resolvi continuar subindo para a costa do nordeste. Cheguei em Florianópolis no dia 1º de maio e, após isso, segui sozinho nas demais etapas da experiência, exceto na etapa de Porto Seguro a Maraú, onde minha namorada me acompanhou. Em média foram entre 15 e 20 dias em cada lugar que passava”, relata.
Durante sua subida, diversos foram os locais em que o Comandante passou e pode conhecer em sua viagem, sendo eles: Porto Alegre – Barra Falsa do Bojuru – São Lourenço do Sul – Pelotas – Rio Grande – Florianópolis (volta completa na ilha) – Porto Belo – São Francisco do Sul – Joinville (navegado pela baia da Babitonga) – Paranaguá – Antonina – Canal do Varadouro – Cananéia – Ilhabela – Ubatuba – Niterói – Arraial do Cabo – Vitória – Abrolhos – Caravelas – Nova Viçosa – Santo André (Sta. Cruz de Cabrália) – Barra Grande/Maraú/Tremembé – Salvador (navegado pela Baía de Todos Os Santos) – Barra do Rio São Francisco (navegado até a cidade de Penedo) – Barra de São Miguel, onde está atualmente.
“Como deu para perceber, eu passei “batido” pela região de Angra dos Reis e Paraty, que são lugares fantásticos, pois queria pegar a época de ventos favoráveis para subir para o Nordeste. Inicialmente, eu iria só até Santa Cruz de Cabrália, mas depois resolvi subir um pouco mais. Ainda bem, porque eu ainda estava com vento favorável, pois agora o vento, aqui de Salvador para cima, ficou bem contra. Eu iria até Recife, mas então desisti porque estava muito sacrificante, o barco estava estragando muito no contravento. Eu fiz Salvador até a Barra de São Francisco, foram 54 horas em uma orça apertada. Da Barra de São Francisco até a Barra de São Miguel, que é um trajeto de pouco mais de 70 milhas, eu fiz em 24 horas, e tive que fazer bordo para poder chegar. Logo, daqui até Recife iriam ser quase dois dias dando bordo, por isso desisti”, revela.
Com o trajeto repleto de lugares e culturas diferentes, obviamente inúmeras lembranças ficam guardadas durante a grande experiência de velejar na costa do Brasil. Além de presenciar a natureza, o pôr do sol, os climas e tantas outras belezas das regiões, o sócio destacou alguns dos pontos que surpreenderam durante a navegada. “Ter a oportunidade de experimentar e vivenciar isso é muito legal. Conheci cidades que me surpreenderam, como São Francisco do Sul, uma cidadezinha com um centro histórico encantador. Penedo, aqui no Rio São Francisco, também é uma cidade histórica com vários monumentos e prédios bem cuidados. Dentro de tudo que eu vi, o que achei mais legal, pela sua singularidade, foi a cachoeira de Tremembé, que fica na península de Maraú. Eu consegui entrar com o veleiro vindo do mar, entrando no rio Maraú, e depois na cachoeira. Foi um dos pontos mais marcantes dessa viagem, apesar de ter um encalhe feio nas proximidades, relata o Comandante, que completa detalhando a experiência: “o barco chegou a cinquenta metros da cachoeira. No dia anterior eu fui com a maré vazando e encalhei em um barranco. O barco montou naquilo e a maré estava vazando, chegou a ficar adernado, inclinando o veleiro em uns 30 graus. Só que em seguida, a maré já estava enchendo, dormi ali próximo e, após, um ribeirinho me levou com meu barco até a cachoeira”, conta.
Já com grande parte do ano passando uma vivência a bordo, é impossível não notar as diferenças entre a vida no barco e a vida na cidade. Conforme ressalta Enio, a diferença é muito grande, pois diferente da cidade, que demanda uma série de necessidades durante o dia a dia, a vida a bordo é muito mais simples, baseada apenas em viver, se alimentar e cuidar da manutenção do barco, o que ele classifica como uma simplicidade marcada pela ‘volta às origens’. “Além da vida simples, viver a bordo te remete a uma situação de minimalismo, de essência, do que você precisa para viver. A liberdade que se tem dentro de um barco é fantástica. O teu limite é o horizonte, onde teu olhar enxerga e isso não tem preço”, disse.
Agora, passado o feriado de Carnaval, o Comandante Enio começa a preparar o seu retorno aos poucos. E para isso, a ideia é descer a costa devagar, planejando chegar em Angra e Paraty no mês de abril, onde ficará por volta de cinco a seis meses para conhecer a região. Depois disto, volta para o Sul para retomar o trabalho entre o final de novembro e o início de dezembro. Mas antes disse, ele deixou uma mensagem especial de incentivo a todos os navegadores sobre a sua experiência.
“Aproveitem a oportunidade que tenham para fazer isso. Ter essa experiência é viver. O que a gente leva dessa vida é a vida que se leva. São as histórias que a gente tem para contar. Não deixem de aproveitar essas oportunidades, não esperem para depois. Mesmo que não seja o momento certo, o barco certo/dos seus sonhos, realizem. Digo isto pois não era o momento que eu esperava e nem com o barco que eu imaginava, porque o CAL é um barco forte, e posso garantir que é, pois, passei por situações bem complicadas com ele, mas não é um barco que eu tenha um pé direito, que eu consiga ficar em pé. Não seria meu barco ideal, mas era o que eu tinha. Faça dentro das suas possibilidades, não esperem o momento ideal para fazer a sua história. Viva ela agora dentro das suas condições”, finaliza.
Confira abaixo todas as imagens compartilhadas pelo Comandante: